Desenvolvimento Comunitário

Usurpação de terras em Magude: o caso de Chichachanduco

Camponeses de Chichachanduco desesperados

Na região de Chichachanduco, distrito de Magude, na Província de Maputo, há 10 anos que cerca de 1500 famílias travam uma luta sem fim, e desigual, com uma empresa açucareira, resolutamente apoiada pelo governo local, na tentativa de recuperar uma área agrícola de cerca de 950 hectares, que afirmam ter-lhes sido usurpada a favor da empresa. Trata-se da Açucareira de Xinavane, propriedade da Tongaat Hullet Sugar, de capitais sul-africanos. Os camponeses revoltados já escreveram ao Comité Central da FRELIMO, à Procuradoria-Geral da República a diferentes níveis, bem como a sucessivos Governadores e Administradores da Província de Maputo e do Distrito de Magude…em vão!

Camponeses de Chichachanduco desesperados

De acordo com declarações e despachos de algumas instituições públicas, os camponeses em luta não têm quaisquer direitos a reivindicar e, mesmo que os tivessem, estes não teriam qualquer cobertura legal, alegadamente porque a terra foi-lhes retirada ao abrigo da legislação de terras anterior à actual Lei de Terras, de 1997 (processo número 1193/1930). Facto no mínimo estranho, pois o DUAT da Açucareira foi emitido em 2007, isto é, 10 anos após a entrada em vigor da actual lei de terras!

O mesmo padrão típico

Os factores por detrás do conflito seguem o mesmo padrão típico, que tem originado disputas de terras em Moçambique, entre comunidades locais e investidores – nacionais ou estrangeiros: emissão de Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) formal, a favor do investidor, sem consultas genuínas e consentimento inequívoco das comunidades titulares naturais do direito; promessas de emprego e de outros benefícios irrealizáveis para jovens; alheamento dos agentes de Estado, perante “negociações” de má-fé encetadas pelo investidor junto dos camponeses, entre outros. No caso vertente, e ante a persistente resistência de algumas comunidades, o governo distrital terá recorrido à intimidação policial armada. Recorda Mário Mabote, membro da comunidade : “Prometeram-nos que ao fim de seis anos andaríamos todos de carro, teríamos casas de alvenaria e comida à fartura. Perante a nossa recusa, o Administrador Mucavele abandonou a reunião e voltou com uma força policial fortemente armada”.

Na sequência de um contacto que os camponeses lesados fizeram ao SEKELEKANI, uma equipa da instituição realizou uma pesquisa no local, e as suas constatações indicam que as revindicações dos camponeses são justas e legítimas.

Uma visita inesperada

Um dia, a meio da manhã, em Julho de 2017, e sem qualquer pré-aviso, os escritórios do SEKELEKANI foram surpreendidos pela visita, algo inusitada, de uma “delegação” de 12 camponeses, que, com ar exausto e respiração cortada, simplesmente disseram: “Desculpa o incómodo; somos de Magude. Viemos até aqui para pedir ajuda. Por favor ajudem-nos a reaver as nossas terras. Já falamos com o governo; já escrevemos à Procuradoria-Geral da República; falamos com todas as estruturas, mas ninguém faz nada. Pedimos o vosso apoio”.

Após uma conversa que se prolongou por quase duas horas, tomamos, em conjunto, uma decisão: uma equipa do SEKELEKANI iria investigar as queixas apresentadas, e iria publicar os resultados de tal trabalho.

Um grupo de 12 camponeses de Magude visitou inesperadamente os escritórios do SEKELEKANI

Acto contínuo, a instituição enviou para a pesquisa Boaventura Manjate, conhecido jornalista veterano da Rádio Moçambique, que prontamente se lançou ao campo. Duas semanas depois, Boaventura Mandlate regressou com a seguinte constatação: “existem evidências claras de que a Açucareira de Xinavane, no Distrito de Magude, usurpou vastas terras pertencentes à comunidade de Chichachanduco, numa área estimada em 950 hectares, ante o silêncio cúmplice dos poderes públicos. Hoje, esta área acha-se totalmente coberta de um verde pesado, do canavial da Tongaaat Hullet Sugar, uma empresa multinacional de capitais sul-africanos, resgistada no Kwazulu-Natal.

Diferentes versões da história

Segundo relatos das comunidades, corria o ano de 2008, quando o Governo do Distrito de Magude, na altura liderado por Zeferino Mucavele, na qualidade de Administrador, lhes tirou a terra à força, entregando-a a esta multinacional, com a promessa de que a mesma ser-lhes-ia devolvida, ao fim de cinco anos. Na altura da devolução, dizia a promessa, os camponeses iriam explora-la em regime de associativismo. Porém, transcorrido aquele período, a promessa não foi cumprida, resultando daí um movimento reivindicativo que levou as comunidades a baterem à porta de várias instituições públicas, em busca da reposição da justiça. Entretanto, Zeferino Mucavele, assim que reformou do Estado, foi contratado pela Açucareira, da qual é actualmente um oficial superior. Ainda que já reformado do Estado, para as populações locais, a contratação do antigo administrador de Magude, pela Açucareira, é um “prémio” atribuído pela empresa, pelos “serviços” que lhe teria prestado, na tramitação do processo que originou o conflito ainda candente.

Afinal quem atribuiu o DUAT à empresa?

Neste imbróglio, a comunidade fala de “traidores” desconhecidos, que, à revelia da maioria e fora de qualquer consulta genuína, teriam colaborado com a empresa, consentindo que esta obtivesse DUAT formal. A comunidade suspeita que estes assim tenham procedido, a troco de algum pagamento por parte da empresa.

Carlos André Matlava, residente de Maolela Chichacanduco, acusa o antigo Administrador do Distrito, Zeferino Mucavele, de ser o mentor da usurpação. “Foi Zeferino Mucavele que trouxe a Açucareira de Xinavane. Dissemos a ele na altura que nos opúnhamos à entrega das nossas terras, porque é nelas onde produzimos comida. Estas terras são tudo para as nossas vidas. Comemos, vamos ao hospital, mandamos os filhos à escola, compramos roupa, sal e outros produtos manufacturados, produzindo nestas terras. Perguntamos a ele qual seria o nosso futuro se ficássemos sem as nossas terras. Zeferino Mucavele respondeu: “quer queiram, quer não, o Governo vai vos tirar a terra!”.

”Foi o Administrador Zeferino Mucavele que entregou as nossas terras ”- acusam os camponeses

Segundo as promessas do administrador, recordadas ainda por Carlos Matlava, a entrega das terras à Açucareira era prenúncio de geração de empregos, que por sua vez desencorajariam emigrações para a vizinha África do Sul, para onde emigram muitos jovens nativos de Magude.
“Passados cerca de nove anos, nem emprego, nem comida, nem outro benefício

Angelina Mambuza- “Vi a empresa a invadir as minhas terras sem qualquer aviso”

. Assistimos apenas a estrangeiros que vêm trabalhar nas nossas terras. Quando reclamamos, eles recorrem a forças de Defesa e Segurança para correrem connosco”, diz Carlos Matlava.

Angelina Djimissi Mambuza, camponesa residente no círculo Chichuco, diz que viu as suas terras invadidas pela açucareira , sem prévia conversa. “Este é o nono ano consecutivo (2017) depois que nos tiraram as terras. Há alguns coniventes que não conhecemos, que engordam à nossa custa”.

Angelina Mambuza diz ainda que as comunidades não se opõem à actividade da Açucareira, reclamam apenas integração no processo produtivo, que pode ser na modalidade de alguma compensação anual, à semelhança do que acontece com outras comunidades integradas. Ela defende que a compensação deve ter efeitos retroactivos, desde 2008, ano da ocupação das terras.

Carolina Maolela: ” estamos a morrer à fome”

Carolina Xixaxa Maolela, nativa da zona de Maolela, corrobora os seus vizinhos, dizendo que depois da ocupação das suas terras, as comunidades ficaram sem onde produzir comida. “A Açucareira pode continuar a produzir a sua cana, desde que sejamos ressarcidos das terras perdidas. A Açucareira deve dar-nos a nossa parte. Exigimos uma convivência sã, o que passa por justiça para todas as partes”, disse Carolina Maolela.

 

Ocupação armada de terra

O Primeiro Secretário da Frelimo no círculo de Ncolo, Manecas Umbisse, lembra que para desbravar as terras das comunidades, a Açucareira de Xinavane, em conivência com o Governo Distrital, recorreu a forças de Defesa e Segurança fortemente armadas. “Nada foi feito em clima de paz. Depois de plantio de cana, a empresa açucareira disse que toda a responsabilidade era do Governo, o que concordamos plenamente, porque o processo de invasão e ocupação foi acompanhado a par e passo pelo Administrador Cavele. Lamentamos muito o que sucedeu. Nestas terras havia idosos e deficientes que também buscavam sobrevivência. Hoje estão de braços cruzados, porque não têm onde produzir”.

João Cossa- “As máquinas desbravaram as nossas terras protegidas por “boinas vermelhas”

João Cossa, representante da comunidade de Tchovana, ajuntou que, mediante forte protecção de “boinas vermelhas”, as máquinas da Açucareira de Xinavane desbravaram as terras das comunidades, removendo túmulos, machambas, árvores de fruta. “O Administrador Zeferino Alfredo Cavele usou excesso de força para nos arrancar as terras. Não sabemos que governo é este que nos asfixia”, exclamou João Cossa, recordando que as negociações sem sucesso duram há três anos.

Por seu lado, Mário Mabote ironiza, dizendo que o Administrador Zeferino Alfredo Cavele “levou ao colo” a Açucareira de Xinavanae e foi assenta-la nas terras das comunidades. “Prometeram-nos que ao fim de seis anos andaríamos todos de carro, teríamos casas de alvenaria e comida à fartura. Perante a nossa recusa, o Administrador Cavele foi e voltou com uma força policial fortemente armada”. Segundo Mabote, a Açucareira de Xinavane nunca teve voz activa no processo de ocupação das terras. Foi o Administrador que liderou todo o processo, afirma Mabote.

Solicitado a comentar sobre o processo que liderou enquanto administrador de Magude, Zeferino Alfredo Cavele, hoje responsável pela expansão de área de cana da Açucareira de Xinavane, foi parco em palavras, limitando-se a dizer que na altura implementou o que já estava planificado e hoje nada pode dizer, porque já não é administrador do Distrito. “Eu era governo, agora não estou no governo; fica difícil pronunciar-me sobre o assunto. Eu encontrei o processo feito, só tive que implementar, diz Zeferino Alfredo Cavele.

Enquanto a Açucareira mostra-se aberta a negociações com a comunidade, as autoridades governamentais locais negam, perentoriamente, quaisquer direitos de compensação aos camponeses que perderam as suas terras!

População destrói símbolos do Estado

Na sequência dos desentendimentos então despoletados dentro da comunidade, sobre a atribuição de DUAT à Tongaat Hullet Sugar, o régulo da povoação de Maolela, Henriques Pinto Timane, acabaria por ser vítima da fúria de alguns camponeses que o considerarem cúmplice na usurpação das suas terras.

Régulo Timane: “Eu não fiz de qualquer negociação para a entrega de terra à empresa”

Recorda o régulo: “as terras foram arrancadas a ferro e fogo, perante a resistência das minhas comunidades. Eu, como régulo, não fiz parte de qualquer negociação visando a entrega de qualquer porção de terra à empresa. Eles negociaram com alguns secretários de bairro. O que me entristece mais, é que no dia 21 de Maio de 2011, a população invadiu a minha casa; foi deitar abaixo a bandeira nacional e maltratar o meu uniforme oficial. Eles destruíram ainda a minha casa e muitos bens pessoais. Já não tenho nada! Mas eu não estive em nenhuma negociação. Nem o administrador nem o partido alguma vez falaram comigo, para eu ter autorizado a usurpação de terras das minhas comunidades para a Açucareira de Xinavane. Pessoalmente me oponho a esta usurpação”, diz, perentório, o régulo Henriques Pinto Timane.

Instituições do governo alegam terem sido excluídas do processo

E quais são as versões da empresa e do governo?

Sancho Cumbi, Director-adjunto de Agronomia na Açucareira de Xinavane, afirma que a multinacional tramitou todo o processo com o Governo. Aos titulares de direitos sobre as terras abrangidas terá sido dada a oportunidade de voluntariamente participarem ou não no projecto de produção de cana. Na zona de Maolela, uma das regiões em conflito, Cumbi diz que cerca de quatro associações de agricultores e dez individuais aderiram a esta iniciativa, numa área total de cerca de 300 hectares.

Sancho Cumbi- “Estes camponeses auto-excluiram-se e estão arrependidos”

A iniciativa incluiu, a pedido das comunidades, segundo Sancho Cumbi, a construção de um Centro de Saúde de tipo II com uma maternidade, escola, cantina e fornecimento de água. “O projecto infra-estruturou com sistema de irrigação cerca de 40 hectares para a produção de comida”.

Para Sancho Cumbi, o conflito em curso resulta de “arrependimento” das famílias que, nas suas palavras, “auto-excluíram-se ” do projecto de produção de cana, face ao retorno económico que as comunidades que aderiram estão a receber. “O que estamos a dizer é que o processo exige mobilização de recursos financeiros que não são poucos, e logo que esses recursos forem conseguidos poderão também serem contempladas. Pensamos que há espaço para, como empresa e comunidades, continuarmos a avançar e crescer em volta da cana, cultura pivô, e outras iniciativas”.

Porém, Sancho Cumbi não quis confirmar as alegações das comunidades, segundo as quais a Açucareira de Xinavane, com o apoio do governo distrital, recorreu a Forças de Defesa e Segurança para garantir o processo das lavouras das áreas em conflito.

A uma pergunta sobre se as áreas das comunidades que em 2008 declinaram aderir à produção de cana ou comida, estão ou não inseridas nos cerca de 950 hectares, Cumbi disse não poder confirmar nem desmentir. Eis as suas palavras: “Nada está fechado, estamos todos a trabalhar para o bem de todos e temos um papel a desempenhar para o desenvolvimento das comunidades”.

E o que dizem as instituições locais do governo?

O Chefe dos Serviços Provinciais de Geografia e Cadastro de Maputo, Josias Cossa, disse que a sua instituição foi excluída do processo que culminou com a entrega de terras à Açucareira de Xinavane, não podendo, por conseguinte, avançar muito, sobre o conflito prevalecente.
Entretanto, o Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER) confirma que a área em que a comunidade reivindica titularidade tem um total de 950 hectares, foi sempre ocupada de acordo com as normas e práticas costumeiras.

Manuel Faustino Chemane- “O MITADER foi excluído de todo o processo”

Da exclusão igualmente se queixou Manuel Faustino Chemane, Chefe de Repartição de Ordenamento Territorial em Magude. Manuel Faustino Chemane foi categórico em afirmar que “nós não tivemos um envolvimento directo e a nossa exclusão pode ser provada, porque onde intervimos há sempre processos. Na verdade é um bocado estanho, mas neste momento é difícil explicar como é que isso aconteceu. Nós neste momento nem sequer participamos nesse diálogo que se diz estar a ocorrer, só a própria Açucareira de Xinavane pode ajudar-nos muito explicando como é que conseguiu as terras em litígio”.

Facto “curioso”: enquanto a Açucareira de Xinavane se abre a considerar, de alguma forma, as reivindicações das comunidades, mediante disponibilidade de recursos financeiros, está levantada uma mão dura de alguns governantes a vários níveis, com a alegação de que foram as próprias comunidades que optaram pela “auto-exclusão” das iniciativas oferecidas pela multinacional.

Por outro lado (talvez apoiando em tal legislação colonial) , nota-se, nas declarações de servidores públicos entrevistados, algum desconhecimento sobre o conteúdo legal de direitos das comunidades sobre as suas terras, nomeadamente porque consideram que não assiste a estas qualquer direito à compensação pela perda de terra, alegando que esta pertence ao …Estado. Alias, este é um principio da lei constantemente mal interpretado por agentes do Estado lidando com as comunidades sobre esta matéria!

Cecília Francisco Cossa Manjate, Chefe da Localidade de Chichuco, alega que a comunidade de Chichachanduco optou por indemnização pela ocupação das suas terras. As comunidades rebatem a alegação, reafirmando que a indemnização foi pelas culturas e factores de produção destruídos durante o processo de ocupação e não visou o pagamento da tomada à força, das suas terras. Contudo, Cecília Cossa Manjate considera extemporânea a exigência daquelas comunidades para a sua reintegração no processo de produção de cana.

Por seu turno, a Chefe do Posto Administrativo de Magude Sede, Luísa Maria Carlos, afirma que chegou a Magude em 2011, tendo sido recebida com uma grande violência. “Eles estavam a queimar as machambas de cana e teve de vir a Intervenção Rápida de Maputo. Mais tarde começamos a trabalhar pacificamente com as comunidades, fazendo-lhes ver que a solução não vai ser encontrada com a sabotagem das plantações de cana da Açucareira”.

Luísa Maria Carlos sublinha que as comunidades de Chichachanduco optaram por indemnização pelas culturas e factores de produção destruídos nas suas machambas, porque na altura não tiveram visão de longo termo sobre o futuro da escolha que faziam.

Luísa Maria Carlos- “Eles revoltaram-se e queimaram canavial em 2011”.

“A Incomáti indemnizou apenas pelos produtos e factores de produção destruídos nas machambas, porque a terra é do Estado, não se vende. Só que passado algum tempo, depois de esgotar o dinheiro de indemnização, voltaram a dizer que já queriam associação, pois os que optaram pelo projecto de produção de cana recebem dinheiro anualmente. Não teriam pedido dinheiro, deviam ter seguido o exemplo de outras comunidades que optaram por integrar o projecto de produção de cana ou comida”, diz Luísa Maria Carlos.

Luísa Maria Carlos irrita-se com o facto de a comunidade de Chichachanduco recorrer a várias instituições do Estado em busca de satisfação das suas preocupações, e o copo de água transbordou com o envolvimento de imprensa. “O grupo galga todas as possíveis escadas existentes, meteram o partido (Frelimo) a nível da Província, Governo Provincial, aos vários Ministérios, até Ministério da Terra (MITADER), Geografia e Cadastro, quer dizer, já foram para todos os lados, porque dizem que aquelas machambas não estão com a Açucareira de Xinavane, estão a beneficiar um grupo de pessoas”.

Administrador confisca telemóveis de camponeses

Administrador de Magube- “Sim, recolhemos telemóveis para evitar contactos…”

Enquanto decorria a presente pesquisa, um grupo de camponeses denunciou o que considerou intimidações do Governo Distrital de Magude. Exemplificam com uma reunião relâmpago, que o administrador do distrito convocou, da noite de um Sábado, para a manha do Domingo seguinte, 26 e 27 de Agosto, na zona de Maolela. Segundo os camponeses, o Administrador Distrital, Lázaro Bambamba, pela primeira vez escalou a zona, em pleno domingo, quando soube que as comunidades haviam recorrido ao SEKELEKANI para expor as suas preocupações.

“Recebemos uma visita de surpresa do Administrador, que nos ameaçar , tendo de seguida ordenado a recolha dos nossos telemóveis, para nos impedir de comunicar entre nós e para fora, disse António Ernesto Chirindza, líder da comissão representativa das comunidades lesadas.

Joao Cossa- “O administrador Mbambamba confiscou os nossos telemóveis”

Indagado sobre estas acusações, o Administrador de Magude confirma que nos encontros relâmpago de 27 de Agosto e 1 de Setembro, suscitados pelo conhecimento da ocorrência da pesquisa do SEKELEKANI, ordenou a recolha dos telemóveis dos membros da comissão representativa das comunidades. “Nós fizemos isso porque tínhamos muitas informações, e como o ambiente nos pareceu tenso, decidimos recolher os telemóveis para um local sob guarda das autoridades”.

A culpa é da lei – dizem entidades oficiais

Em documento datado de 14 Abril de 2016, o Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER) confirma que a terra em conflito foi atribuída ao abrigo do processo número 1193/1930, sendo que o conflito incide numa área total de 9.730 hectares, autorizada provisoriamente em 2007 a favor da Empresa Açucareira de Xinavane. A mesma área viria a ser redimensionada para 3.385 hectares, aquando da autorização definitiva, confirmada a ocupação efectiva.

Entretanto, o MITADER declarou-se incompetente para ir além do apelo à comissão representativa das comunidades “para equacionarem mecanismos que possam concorrer para a solução do litígio, visando estabelecer o equilíbrio entre os interesses da comunidade lesada e da empresa”.
Por sua vez, a Procuradoria Provincial de Maputo conclui, em parecer datado de 7 de Junho de 2017, assinado pelo Procurador Jorge Chivinge, que o DUAT da empresa Açucareira de Xinavane foi legalmente autorizado, embora tenha levado bastantes anos em processo, o que também propiciou o surgimento do presente conflito.

“O actual regime de aquisição do DUAT contém uma forte participação das comunidades e autoridades locais, para além de uma forte componente publicitária intrínseca ao processo. Nesta base, entendemos que, tendo o processo ficado interrompido por algum tempo, e se arrastado até à vigência da nova lei e respectivo regulamento, era recomendável e prudente que o processo passasse pelas novas formalidades impostas pelo novo regime”, afirma a Procuradoria da Província de Maputo.

Conclui, no entanto, que “tendo ao nosso ver, havido observância na concessão do DUAT à Açucareira de Xinavane, mais não se pode fazer por parte do Ministério Público, senão aconselhar à comunidade denunciante a se conformar. Ou caso não seja esse o seu sentimento, que recorram aos meios legais para exigir o que eventualmente for de direito”.

Em resumo: as instituições do Estado, procuradas pela comunidade, mostram-se “impotentes” para garantir a reposição de direitos legítimos de camponeses lesados por interesses comerciais protegidos por legislação caduca!

Porque não se percebe como uma “antiga lei de terras” pode ter sido aplicada em 2007, altura em que a Açucareira adquiriu a concessão, isto é, 10 anos após a entrada em vigor já que a Lei de Terras de Moçambique foi promulgada em 1997!

Boaventura Mandlate ( Especial para o SEKELEKANI)

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