Desenvolvimento Comunitário

Minas de Moatize II: Lucros fabulosos custam saúde às comunidades locais

Secção da vedação da Mina de Moatize II destruída pela população no dia 4 de Outubro

A mina de carvão de Moatize II, na Província de Tete, continua paralisada desde o passado dia três de Outubro, em consequência de uma ação de protesto das comunidades vivendo nos bairros circunvizinhos, que se queixam de excesso de poluição do ambiente, incluindo poluição sonora, fenómeno causado por nuvens de poeira e de partículas de carvão que perigam a sua saúde. A mina, explorada a céu aberto pela empresa brasileira Vale, situa-se em aérea densamente habitada, integrando os bairros de Nantjere, Bagamoio, Primeiro de Maio e Liberdade. O facto da extração daquele mineral ser realizada é com recurso a explosões de dinamite, provoca fortes estrondos e estremecimento de terra, com consequências sobre a audição, a tensão arterial e a segurança das habitações das proximidades.

Desde quando os residentes dos bairros directamente afectados invadiram a vedação da mina, há mais de duas semanas, eles reafirmam, a pés juntos, que não vão permitir a sua reabertura, antes que alcancem um acordo com a empresa brasileira, entre outros fins, para a sua retirada do local e consequente reassentamento digno, em local seguro.

SEKELEKANI, que já realizou e publicou diferentes trabalhos de pesquisa e vídeos, nos últimos anos, relatando estes mesmos problemas, revisitou o local, aonde testemunhou um clima de revolta e cansaço das comunidades locais, que se recusam a dialogar com o governo.

“Daqui ninguém vai recuar”

A população diz ter paralisado as actividades da mina até que seja reassentada, pois o que está em causa é a sua saúde. “A mina é que nos invadiu, e não o contrario. Eles próprios (Vale e Governo) é que fizeram mal as coisas. Se chegamos até a esse ponto, é porque as nossas condições de vida estão cada dia piores. Agora…daqui ninguém vai recuar; vamos continuar” – disse António Sinalo, residente no bairro de Natjere.

António Fernando: “não queremos falar com o governo”

A acção de protesto chamou à atenção da empresa Vale, que reuniu imediatamente com os manifestantes. No encontro, estes disseram não aceitar quaisquer intermediários no seu diferendo com a Vale, preferindo diálogo directo. Nem mesmo a mediação do Governo, que acusam de apatia perante as suas queixas, já antigas: “Já enviamos cartas ao governo distrital de Moatize e à Assembleia Municipal; mas nunca obtivemos qualquer resposta”, dizem. “Agora (já) não queremos falar com o governo, queremos falar com a própria vale, o governo só deve ser testemunha”, sublinha António Fernando, do bairro Bagamoio.

Por sua vez, o Governador de Tete, Paulo Awade, que realizou uma reunião à porta fechada com a comunidade afectada, três dias depois, a seis de Outubro, prometeu entrar em contacto com a empresa para compreender o problema.

Arsénio Senete: “Estamos viver dentro da mina e a comer carvão”

Os residentes da zona circunvizinha reclamam que a poeira e as partículas de carvão resultantes da mineração provocam a poluição da água dos rios e dos alimentos que consomem; enquanto os estrondos das explosões de dinamites, provocam rachas nas suas casas bem como oscilações de energia, danificando equipamento domestico. “Estamos viver dentro da mina e a comer carvão”, conforme as palavras de Arsénio Senete.

Os nossos entrevistados referem que a Vale desestruturou sem compensação as suas vidas. António Fernando, residente do bairro de Bagamoio refere que a população irá continuar a reivindicar, porque segundo as suas palavras, antes da chegada da Vale, eles tinham “uma vida normal, extraíamos carvão vegetal, fazíamos machamba, buscávamos lenha. Agora…nada!”

Segundo ainda os relatos locais, as explosões de dinamite fazem estremecer casas e provocam desmaios e subida de tensão arterial. “Nós não queremos falar com o governo, queremos falar com a própria vale, o governo só deve ser testemunha”, sublinha António Fernando.

Abortos inexplicados e doenças respiratórias

Entre outras consequências da poluição do ambiente alegadas pelas comunidades locais inclui-se a ocorrência, frequente, de abortos, aparentemente inexplicados, bem como de doenças respiratórias, como tosse.

Romana Celestino: “tem havido muitos abortos aqui”.

 “Tem havido muitos abortos aqui. Não sabemos… E também está a aumentar muito o número de partos à cesariana. Isso não era frequente aqui. Quando vamos ao hospital só nos receitam comprimidos e voltamos para casa. Mais nada. Agora as explosões …sempre que se regista uma explosão, sobe-nos a tensão (arterial) e sofremos com problemas de tosse. E aqui as crianças já nascem com tosse”, afirma no seu depoimento Romana Celestino.

Eva Joaquim, outra declarante, corrobora as declarações de Romana, incluindo sobre doenças respiratórias e prováveis impactos da poluição ambiental na gravidez. Eva fala também d da longa distância a que, devido à vedação, a água ficou:

Eva Joaquim: “durante a gravidez passei muito mal…”

“Durante a gravidez eu passava muito mal, andava sempre com tosse, de tal modo que meu filho nasceu com essa mesma doença. Também sofremos muito por falta de água: com a vedação a água ficou mais longe; somos obrigadas a acordar de madrugada, às três horas, porque temos que percorrer 1,5 quilómetros, para conseguir pelo menos três latas de água”.

 

A decisão da comunidade de Moatize, de bloquear a mina, exprime o culminar de um longo período de protestos locais, devido a níveis intoleráveis de poluição do ambiente naquela zona. Em 2017, SEKELEKANI publicou um vídeo e muitas fotografias, mostrando como nuvens densas de poeira produzidas pelas actividades da mineradora cobriam vastos bairros da Vila de Moatize. Foram igualmente divulgadas outras reportagens, transmitindo reclamações da população local, a qual alertava que a sua saúde estava em risco. Um dos sinais imediatamente visíveis de tais riscos é a contaminação da farinha de milho moída que, exposta ao ar livre para secar, fica tingida de pó de carvão e de poeiras expelidas pelas explosões contínuas de dinamite nas proximidades das residências.

Mina a céu aberto operando dentro de um bairro residencial

Expansão da mina com lucros fabulosos

As operações da Vale começaram em 2012 na zona de Chipanga tendo provocando o reassentamento da população que ali vivia nos dois bairros Cateme e 25 de Setembro. Em 2016 a área de exploração mineira expandiu-se, com a abertura da área denominada Moatize II. Esta expansão garantiu à imediatos, já no seguinte, lucros fabulosos: em 2017, Moatize II contribuiu para um aumento significativo dos lucros da Vale, calculados em 15 biliões de meticais, representando uma variação positiva em relação a 2016, de 162 por cento. A obtenção destes lucros deveu-se segundo Marcelo Tertuliano, director financeiro da empresa, ao aumento antecipado da produção da mina de Moatize II que começou a operar há em 2016 sem que a população que vive nos bairros circunvizinhos fosse, antes, reassentada.

Segundo Marcelo Tertuliano, citado pelo jornal “Noticias” de 5 de Maio de 2018,o ano de 2017 foi o primeiro em que a produção do carvão veio exclusivamente de Moatize e totalizou 11,2 milhões de toneladas, ficando 101 por cento acima das 5,6 milhões produzidas em 2016.

No mesmo ano, a empresa ergueu uma larga vedação que fechou os acessos antes usados pela população para chegar as suas machambas, ir buscar água dos rios, ou cortar lenha. Assim deixadas sem qualquer alternativa, as populações organizaram uma manifestação de protesto, que foi reprimida pela Policia. Na sequência, esta alvejou mortalmente um cidadão do Bairro de Bagamoio.

Deste modo, os lucros da empresa se apresentam como proporcionais às privações das comunidades circunvizinhas, sujeitas aos efeitos de uma intensa poluição do ambiente e a condições de vida ainda mais precárias, devido a falta de acesso a locais com recursos vitais, tais como agua, lenha, pastagem de animais, entre outros.

Devido ao “silêncio” das autoridades distritais, perante as suas cartas e outras formas de pedido de socorro, a comunidade ora em protesto retirou o seu crédito ao governo, recusando que ele actue como entidade mediadora, junto da Vale.

Um dia depois da manifestação da população que vive em volta da Mina de Moatize II na província de Tete, uma representante da empresa Vale Moçambique falou ao canal privado de televisão, STV tendo feito o pronunciamento que a seguir transcrevemos:

“Queremos crescer com a comunidade” – diz a Vale Moçambique

“Infelizmente desde o início da nossa operação, sabíamos que a questão da poeira seria muito desafiadora para nós. Reparem que estamos numa cidade onde pouco chove e o clima é muito seco, os ventos sopram da nossa operação em direcção a comunidade; a comunidade está muito próxima da nossa operação e esses desafios impactam com aquilo que é a assertividade das nossas acções.

Nós estamos aqui a desencadear uma série de acções para que essas medidas de controlo da poeira sejam mais assertivas, razão pela qual, ontem de facto (dia 3 de Outubro), paralisamos as nossas operações, para podermos sentar à mesa com a comunidade, para que possamos continuar com um diálogo aberto e transparente junto com o governo e a comunidade, para que possamos evoluir e crescer juntos.

Neste momento vamos fazer pequenos grupos de trabalho que serão compostos pela nossa empresa, membros da comunidade, membros da sociedade civil e pelo governo que deverão trabalhar nos aspectos que a comunidade colocou. Iremos verificar o que estamos a fazer em relação as questões arroladas e o que devemos fazer para garantir que essas medidas sejam de facto implementadas… nós preservamos as questões ambientais e de forma alguma queremos criar um clima que não seja satisfatório para a comunidade”.

 

Por: Jessemusse Cacinda e Célia Sitoe (Texto); Nélcia Tovela (Fotos)

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