Recursos Naturais e Indústria Extractiva

Membros das comunidades afectadas aplaudem relatório sobre impacto ambiental da mineração de carvão em Moatize.

Representantes das comunidades das regiões directamente afectadas pelas actividades de extração de carvão a céu aberto na região de Moatize, na Província de Tete, acolheram com satisfação as constatações, conclusões e recomendações do estudo de avaliação do impacto ambiental destes empreendimentos, apresentado ontem na cidade de Tete.

No acto participaram representantes das comunidades de Cateme, Bairro Bagamoio, Tchenga e Mualadzi, regiões directamente abrangidas pelas actividades de mineração das empresas Vale, do Brasil e ICVL, da India. Participaram igualmente representantes da Secretaria de Estado Provincial.

Reagindo sobre as principais recomendações do estudo, os representantes das comunidades de Moatize consideraram que as mesmas reflectem algumas das suas mais importantes e antigas preocupações, destacando, em particular, a falta de mecanismos institucionalizados de diálogo quer com as autoridades governamentais quer com as empresas, resultando no arrastamento, ao longo de anos, dos mesmos problemas de condições precárias de vida.

Além de apelar para uma reflexão renovada e participativa, para a revisão das questões de reassentamento condigno das comunidades afectadas, com garantia de meios de vida sustentáveis, o relatório apela aos serviços provinciais de saúde de Tete, no sentido da realização de ações de inspeção periódica das condições de saúde bem como de sua educação sobre riscos ambientais derivados da sua exposição à actividade mineira.

O relatório reitera ainda a necessidade da institucionalização, finalmente, de um Mecanismo Independente de Reclamações das Comunidades, constituído pelas empresas, representantes das autoridades governamentais e da sociedade civil, com a missão de acolher e ajudar a dirimir conflitos entre as partes, de forma pacífica e consensual.

O relatório deverá ser apresentado na cidade de Maputo no próximo dia 10 de Julho corrente.

 

Impacto ambiental na perspectiva de serviços ecossistemicos

O estudo tomou como instrumento metodológico, a Avaliação da Significância dos Impactos sobre os Serviços Ecossistemicos (ASE), visando uma avaliação mais integrada de impactos sociais, económicos e ambientais.

Nesse sentido, os principais serviços identificados como afectados pelas actividades de mineração acham-se agrupados em três categorias, nomeadamente: serviços de provisão, de regulação e recreativos.

Na primeira categoria incluem-se impactos sobre culturas agrícolas, criação de animais, pesca, aquacultura, alimentos não cultivados, combustível de biomassa (lenha) e acesso a água. Na segunda categoria aborda-se o impacto sobre a qualidade da água e do ar, com foco sobre a regulação da recarga hídrica e fluxos de água, purificação de águas e tratamento de afluentes. Já na terceira categoria abordam-se serviços culturais, incluindo a recreação e o ecoturismo.

Para a identificação dos “beneficiários afectados” foram feitas observações de campo e aplicado um questionário a 117 residentes na região delimitada para o efeito, nomeadamente Moatize e Benga.

Entretanto, a análise dos questionários indica que toda a população residente na região abrangida pelos empreendimentos de mineração acha-se afectada pelas actividades desta indústria, que se reflectem através de degradação do ecossistema ou impedimento de acesso ao benefício; bem como através da poluição ou superação parcial do ecossistema.

Os impactos negativos da actividade de mineração no meio físico provocam, entre outros, os seguintes efeitos: alteração da qualidade de água e do ar; das propriedades do solo, bem como das dinâmicas dos rios.

Qualidade do ar e da água

Ana da Piedade Monteira, Líder da Equipa de Pesquisa

O estudo realizou análises da qualidade do ar e da água com o objectivo de identificar as características da poeira, dos particulados, gases de combustão e do nível de dispersão; apurar a qualidade e características da água das fontes de captação superficial (lagoas e rios, bem como avaliar a qualidade dos solos quanto à composição química, microbiologia, fertilidade e humidade.

No concernente à qualidade do ar, as partículas em suspensão detectadas incluem: dióxido de enxofre, monóxido e dióxido de carbono e óxidos de nitrogénio. Entretanto, os valores médios da quantidade de partículas totais em suspensão estão situados abaixo do limite estabelecido pela Lei Ambiental de Moçambique e pelas normas estabelecidas pelo Banco Mundial (BM, 1998). Contudo, as percentagens de partícula totais (PTs) presentes nas amostras do ar colectado na área do estudo pertencem à massa de partículas inaláveis e que podem penetrar até os alvéolos pulmonares com a classificação de alto risco.

Relativamente à análise da qualidade da água, optou-se por avaliar a sensibilidade dos macroinvertebrados à poluição, através do método denominado South African Scoring System (SASS), usado para avaliar a sanidade e qualidade da água dos rios.

Os resultados identificaram nove famílias de macroinvertebrados, sendo duas famílias (22%) consideradas moderadamente sensíveis à poluição, e as outras sete (77.8%) constituídas por macroinvertebrados muito tolerantes à poluição, sendo típicos de ecossistemas aquáticos degradados.

Assim, a presença de famílias de macroinvertebrados tolerantes à poluição em quantidades maiores nas amostras recolhidas é um indicativo de poluição das águas dos rios próximos dos empreendimentos de mineração de carvão mineral.

As análises indicam, por conseguinte um certo grau de poluição das águas superficiais. Significa que a actividade mineral provocou a poluição de caudais superficiais e a redução da qualidade da água utilizada para o abastecimento doméstico, comprometendo os diferentes usos da água pela população local.

Poluição sonora ou ruídos

Quanto à poluição sonora ou ruídos (derivados de detonações de dinamite para a abertura ou perfuração de minas) os valores registados durante o trabalho de campo situam-se entre os 50dBa (frequência mínima) e 115 dBa (frequência maxima). Assim, o valor médio registado, de aproximadamente 76.54 dBa de frequência, ultrapassa largamente os níveis toleráveis.

Percepções das comunidades locais

O relatório revela ainda as percepções das comunidades sobre riscos ambientais resultantes da actividade mineral. Os riscos ambientais foram identificados com base nas observações em campo e nas respostas sobre as mudanças ocorridas nos últimos cinco anos no ambiente das comunidades locais.

Assim, o principal risco ambiental referido pelos inquiridos foi a contaminação do ar pela poeira, em referência ao pó de carvão mineral que piorou a qualidade do ambiente.

Observou-se que um largo número (47%) de moradores inquiridos percebe que residir em Moatize não é seguro.

O facto pode estar relacionado à experiência de vida de alguns indivíduos sobre malefícios que a mineração de carvão mineral pode trazer para si e/ou para amigos ou familiares, mesmo que a mina não seja o seu local de trabalho.

A análise dos dados mostrou que a maior parte dos residentes inquiridos parece não perceber que a exposição ambiental à poeira de carvão mineral ocorre praticamente em todos os lugares do município por causa da dispersão das partículas de carvão, embora as minas propriamente ditas sejam a ameaça maior, por causa das explosões e do acúmulo das “pilhas” de resíduos de carvão mineral produzidos durante o processo fabril e que estão depositadas ao céu aberto.

Quanto a percepções sobre os riscos da exposição ao pó de carvão mineral, os residentes inquiridos mostraram-se apreensivos em relação aos riscos sobre a sua saúde. Contudo, há aparentemente, uma percepção de que a seriedade e o grau de periculosidade dos riscos atinge mais aos que residem na região de Moatize e, principalmente, aqueles que vivem em áreas próximas das minas.

A invisibilidade aparente dos riscos provocados pela exposição ao pó de carvão sobre a saúde parece ser o resultado das representações produzidas pela familiaridade ou pelo convívio frequente com o pó de carvão, que transformou o perigo ou os riscos em factos naturais.

Assim, alguns inquiridos referiram que bastava que lhes fosse fornecido leite, para mitigar os riscos a saúde e que não se importariam de continuar a viver nas áreas afectadas. Aparentemente, esta percepção terá sido induzida por algumas empresas, que em fases iniciais dos seus projectos, terão fornecido leite as comunidades locais, para “limpar a poeira do carvão”.

A frequência em locais públicos onde haja materiais ou construções polvilhados por pó de carvão em nenhum momento foi citada como possível forma de exposição ao pó de carvão pelos inquiridos. Igualmente não se faz alusão aos grupos ou indivíduos que por trabalhar nos empreendimentos de extracção de carvão mineral possam estar expostos ambientalmente por manusear frequentemente partículas de carvão.

 

Perceções sobre patologias respiratórias

No que se refere a doenças pulmonares, a maior parte dos inquiridos (87%) percebe que existe maior possibilidade de contrair doenças respiratórias por parte de quem vive em Moatize ou Benga, do que para quem que vive em outras localidades.

No concernente a doenças frequentes foram referidas doenças associadas ao tabagismo (tosse, bronquite, asma) mais do que doenças associadas à exposição a poeiras minerais (pneumoconioses). Essa constatação sugere um fraco conhecimento, por parte da população das regiões afectadas, sobre os impactos da exposição ao pó do carvão mineral sobre a saúde humana.

A avaliação sobre a gravidade de doenças documentadas indica que os inquiridos atribuíram notas mais elevadas a má formação fetal ( resultando em abortos), seguida de doenças pulmonares e da pneumonia.

Contudo, no que respeita a possibilidade de adoecer, as enfermidades com estimativas mais elevadas são a hipertensão, seguida das doenças pulmonares e da pneumonia.Contudo, aparentemente, os inquiridos não estabelecem uma associação entre estas patologias e a exposição ao pó de carvão mineral.

 

Impactos severos sobre os serviços ecossistemicos

Relativamente à avaliação da significância dos impactos sobre os serviços ecossistemicos da actividade mineral na bacia carbonífera de Tete, nas duas regiões afectadas as pessoas dão alta importância aos serviços de provisão de lenha e madeira e de fornecimento de água.

A maior parte dos serviços ecossistemicos prioritários, colocados na ficha de campo, tiveram uma avaliação abaixo de 50% o que revela um desconhecimento dos impactos da actividade mineira sobre os serviços ecossistêmicos. .

Através da ASE foram identificados 11serviços ecossistemicos prioritários, dos quais quatro foram considerados com significância “Grande”, um foi considerado com significância “Pequena”. Para os restantes seis não foi possível avaliar a significância do impacto por não ter sido possível recolher evidências que permitissem avaliar os efeitos da mineração de carvão sobre esses serviços.

Sobre o serviço ecossistemico de culturas agrícolas e criação de animais, a significância do impacto é grande e envolve a ocupação de terras cultiváveis e pastos, perda da produção agrícola e animal e a diminuição da renda obtida pela venda de excedentes.

Considerando que nas áreas afectadas vivem famílias que se dedicam a agro-pecuária, para a subsistência, cuja produção é virada principalmente para o consumo, o impacto ocorre mais sobre o modo de vida das populações, mais do que sobre a actividade agro-pecuária da região.

A significância do impacto da actividade mineral sobre a pesca e aquacultura é considera pequena porque afecta poucas famílias da região abrangida. Contudo, o impacto inclui a redução da população de peixes devido a poluição e ao assoreamento, queda da actividade pesqueira e perda de fonte de proteínas. Com efeito, a região afectada é atravessada por cursos de água onde algumas famílias praticavam pesca e criação de peixes para o consumo doméstico, uma actividade que os residentes consideram ter reduzido bastante nos últimos anos.

No que se refere aos combustíveis de biomassa e madeira, a significância do impacto da actividade mineral é grande porque a conversão de áreas rurais e florestais em industriais levou a perda de regiões onde a população colectava lenha e madeira. As consequências derivadas dessas actividades incluem o impedimento de acesso e perda de áreas de colecta de lenha e madeira, aumento dos custos de manutenção das moradias e aumento dos custos de confecção diária de alimentos.

Quanto ao fornecimento da água, a significância do impacto é igualmente grande, pois os beneficiários, com maior destaque para os da Comunidade de Benga, já não podem fazer uso da água dos caudais superficiais e são obrigados a procurar outras fontes alternativas.

Sobre o serviço de regulação do ar, a significância do impacto é grande. Trata-se da consequência indirecta da poluição do ar que resulta da emissão de particulados de carvão que pode ser associada ao aumento de doenças respiratórias. Contudo, o impacto pode ser reversível com a implementação de medidas de mitigação.

 

Conclusões e Recomendações

O pó de carvão mineral misturado numa poeira mais complexa é o elemento mais importante originado da actividade de extracção industrial do carvão mineral em Tete, que atinge grupos sociais tipicamente marginalizados, acentuando a injustiça socio-ambiental sobre elas.

A exposição ao pó de carvão apresenta-se como uma situação de risco ambiental e com efeitos sobre a saúde humana. A sua complexidade perpassa o facto de caracterizá-la apenas como o contacto do homem com as partículas respiráveis de carvão no ambiente interno ou externo ao seu domicílio, mas também, porque não é interpretada e compreendida adequadamente pelos residentes das áreas afectadas.

A coexistência deste problema com outros permanentes, tais como a falta de saneamento, más condições de habitação e falta de emprego, colocou as regiões afectadas numa posição de grave vulnerabilidade a múltiplos riscos.

A percepção de algum grau de risco à saúde por um número reduzido de residentes parece remeter à necessidade de analisar as formas de contacto com o pó de carvão em ambientes que contenham poeira com partículas de carvão.

Assim, o estudo contém, entre outras, as seguintes recomendações:

É imperioso haver um aumento da responsabilidade institucional das empresas e dos órgãos governamentais, fornecendo assistência à saúde e promovendo intervenções ambientais para a população afectada directamente pelas precárias condições de vida e de saúde e pela poeira de carvão.

Deve ser empreendida uma re-discussão mais aprofundada dos aspectos políticos e éticos ligados ao reassentamento dos grupos populacionais mais expostos aos impactos socio-ambientais da mineração de carvão na bacia carbonífera de Tete, por forma a assegurar-lhes meios de vida seguros e sustentáveis.

Devem ser formuladas e implementadas estratégias de comunicação de riscos, desenvolvidas pelas empresas envolvidas, instituições governamentais e não-governamentais ou da sociedade civil ,e com a participação dos residentes locais.

Deve considerar-se como prioritária a implementação de programas educativos e informativos junto das comunidades afectadas, para superar a sua falta de conhecimento sobre os riscos que eles enfrentam pela sua exposição ao pó de carvão.

Este estudo situa-se na perspectiva social e, apesar de procurar contribuir com a percepção de riscos através da incorporação do saber daqueles que vivenciam as situações e eventos de riscos, ele não pode, contudo, ser considerado único para a formulação do processo de gestão dos riscos, pois carece de uma contextualização integradora nas suas várias dimensões quantitativas e qualitativas

Assim, recomenda-se uma abordagem multidisciplinar das múltiplas facetas do impacto de mineração de carvão em Tete, com a concorrência das ciências da saúde, como a toxicologia e a epidemiologia, da psicologia, da sociologia e da antropologia, entre outras, para apoiar, com maior abrangência, processos de tomada de decisão e definição de estratégias de gestão, e de forma urgente.

FIM

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