Desenvolvimento Comunitário

Gestão problemática da terra: Vítimas do ciclone Idai regressam a zonas de risco

Cerca de 300 famílias evacuadas em Março passado de zonas de risco no baixo Licungo, no Distrito de Maganja da Costa, em consequência da passagem do ciclone Idai e reassentadas na região de Nomiua, viram-se forçadas a regressar à zona de origem, por falta de disponibilidade de terra. Até finais de Agosto último, eles viviam em condições de extremas dificuldades, carecendo de apoio humanitário urgente.

O povoado de Nomiua localiza-se no posto administrativo de Nante, e foi escolhido pelo Instituto Nacional de Gestão de Calamidades Naturais (ING) para albergar um total de 754 famílias evacuadas de zonas de risco nas regiões de inundação daquele distrito, considerado celeiro da província da Zambézia.

Contudo, deste total de agregados familiares, apenas 410 encontraram espaço de acomodação, tendo recebido tendas e embalagens de alimentos e de higiene, fornecidas pela Cruz Vermelha de Moçambique (CVM) em coordenação com o INGC).

Além das 300 famílias que regressaram a zonas propensas a desastres naturais, outras 44 foram acolhidas por familiares, que lhes cederam provisoriamente espaço de acomodação.

Gestão problemática da terra

Tudo começa no dia primeiro de Março de 2019, quando o leito do Rio Licungo e seus afluentes começaram a galgar, de forma rápida, as zonas residenciais. O Comité de Gestão de Risco, do INGC e a CVM criaram imediatamente condições de alerta e de evacuação das comunidades para a zona alta, em Sopa.

Contudo, o terreno onde foi instalado o centro de reassentamento, parte de uma propriedade de um empresário nacional local que a cedeu por bondade, mostrou-se limitado para albergar a totalidade daqueles agregados. Assim, as 300 famílias que ficaram de fora tiveram que regressar aos locais de risco, onde não têm beneficiado das ajudas de emergência atribuídas às que ficaram em Nomiua.

Quando SEKELEKANI visitou esta localidade, na última semana de Agosto, o responsável do Centro Geral de Reassentamento de Sopa, António Agostinho, informou que o governo estava a “fazer diligências” para encontrar outro espaço para acomodar estas famílias.

As famílias vivem em situação deplorável

O Posto Administrativo de Nante tem cerca de 87.316 habitantes, sendo a maioria constituída por mulheres chefes de família, de acordo com o censo de 2017. Este facto ocorre porque a maioria dos homens vivem na cidade de Quelimane ou mesmo em Maputo, para onde emigraram em busca de meios de sustento.

De acordo ainda com António Agostinho, o processo de acomodação das famílias afectadas pelo “Idai” obedeceu a determinadas regras, em que era conferida prioridade a pessoas vulneráveis, nomeadamente pessoas idosas ou com deficiência, viúvas, famílias substitutas, cuidando de crianças órfãs e, por último as restantes famílias.

“Primeiro acomodamos 90 pessoas idosas, 37 mulheres grávidas e 133 crianças órfãs e respectivas famílias substitutas. Só depois é que acomodamos as restantes famílias”, disse António Agostinho.

Todas as famílias receberam tendas de 10,5 metros quadrados, independentemente do número do agregado familiar. Os reassentados receberam ainda insumos agrícolas e embalagens de higiene. Estas famílias têm também instruções para fabricar 7.000 tijolos para a construção de suas casas. As estruturas administrativas pretendem construir um bairro modelo cujas casas terão a mesma planta. Já foi escolhida uma casa de tipo dois, que deverá ser usada pelos reassentados.

“As famílias vão apenas fabricar tijolos de argila, que é muito abundante em Sopa. A construção das próprias casas vai ter o apoio das autoridades administrativas, que vão fornecer os restantes materiais e custear os serviços dos pedreiros e outros artesãos, garante Agostinho.

Maganja da Costa: o celeiro da Zambézia

Entretanto, o centro de reassentamento localiza-se muito distante do rio e os residentes queixam-se de insuficiência de alimentos, pois as suas culturas semeadas em Março ainda não estão prontas para a colheita. Entretanto, estão em curso perfurações para a abertura de um furo de agua centro.

Adicionalmente, em Sopa faltam serviços públicos básicos para onde os reassentados possam recorrer: o posto de saúde mais próximo dista a 24 quilómetros, na sede do Posto Administrativo. O outro centro de saúde, mais próximo, encontra-se, na Vila Valdez, mas as vias de acesso são intransitáveis, após destruição pelas cheias.

Por outro lado ainda, o único estabelecimento de ensino a funcionar, uma escola primária completa do primeiro grau (EPC-1), isto é, leccionando até à 7ª classe, não tem capacidade para acolher a todas as crianças em idade escolar.

Convívio harmonioso entre hóspedes e hospedeiros

Em locais onde comunidades de diferente origem partilham espaços involuntariamente, devido a razões de emergência, tem sido frequente a ocorrência de conflitos, na disputa de recursos escassos ou devido a sobreposição de poderes num mesmo território. Entretanto, em Sopa tem reinado paz e harmonia: os líderes comunitários que vieram das zonas baixas subordinam-se aos líderes locais, da zona hospedeira.

“Por enquanto não tem havido quaisquer problemas; os líderes reassentados trabalham em parceria com os hospedeiros, afirma ”, o responsável do centro.

O que pode Etilija fazer?

Etilija Romão, uma anciã que perdeu a conta da sua idade, é uma das pessoas que ficou fora do reassentamento, tendo regressado à zona de risco, da qual havia sido evacuada em Março deste ano.

Quando as cheias iniciaram, as entidades competentes avisaram-na para abandonar a sua casa e dirigir-se à zona de Sopa, mais segura. Etilija passou alguns dias numa tenda, partilhada com outras pessoas idosas. Porem, acometida por uma doença, viu-se obrigada a abandonar a tenda, para procurar assistência junto de familiares.

Quando melhorou e regressou ao centro de reassentamento, foi constatar que a tenda onde esteve albergada já tinha sido desmontada e as outras pessoas já haviam recebido talhões para a construção de novas habitações, bem como embalagens de alimentos e de higiene.

Assim deixada sem espaço para reassentamento, Etilija decide regressar à antiga zona de origem, onde vive com a filha.

“Eu já não tenho mais forças para ir a machamba; às vezes recebo comida (de emergência) outras vezes….nem por isso. Que posso mais fazer?! – pergunta enfaticamente Etilija.

Medidas de mitigação de risco

No passado, havia apenas cheias no baixo Licungo em períodos de entre 15 a 20 anos; contudo, este ciclo tem estado a reduzir dramaticamente, para períodos de apenas um ano, em particular deste 2015

Pedro Viola Catangala, chefe do Posto Administrativo de Nante explicou ao SEKELENANI que, nos períodos chuvosos, os Rios Licungo e Lugela correm da nascente e juntam-se ao longo do território do distrito de Mocuba, a caminho do Oceano Índico.

“Se o rio vem cheio, consequentemente os afluentes também ficam sobrecarregados, bastando as aguas atingirem os seis metros de altura para as zonas do baixo Licungo ficaram imediatamente inundadas. Logo urge desalojar as comunidades para lugares seguros”, explica Pedro Catangala.

Contudo, como os solos da zona baixa são muito férteis, as populações têm sempre alguma relutância em abandona-las: afinal Maganja da Costa é um dos celeiros agrícolas da Província da Zambézia. Por causa disso, a população tem sido aconselhada a manter duas residências: uma, na zona baixa por causa das machambas e outra na zona alta porque é seguro, no período de cheias”, acrescenta Catangala.

Máquina abrindo furo de agua no Centro de Reassentamento

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