Desenvolvimento Comunitário

Garimpo de ouro tira crianças da escola em Manica

A extração artesanal de ouro em Manica é a principal actividade informal no domínio da exploração de recursos minerais naquela província do centro de Moçambique. Como um íman, o brilho deste metal precioso tem atraído várias dezenas de adolescentes, que abandonam a escola e se lançam com picaretas, martelos e pás, a abrir covas, quantas vezes com o risco da própria vida: sem obediência às mais elementares regras de segurança, elas arriscam-se a ficar aleijadas no uso de tão contundentes instrumentos, ou mesmo a ficarem soterrados, por desabamento de terras. O abandono da escola ocorre geralmente quando estes adolescentes estão na quinta classe de escolaridade, na faixa etária  entre os 10 e 15 anos.

Os distritos de Sussundenga, Manica, Macossa e Baruè são aqueles onde este fenómeno ocorre com maior intensidade: o texto que se segue é o resultado de uma pesquisa realizada recentemente por uma equipa do SEKELEKANI nessas regiões.

Desistência escolar

Na sua maioria, quando começam, atraídos pelo exemplo de um amigo ou irmão um pouco mais velho, a ideia destes adolescentes é “desenrascar” algum dinheiro, com o argumento de compra de material escolar, e depois regressar a casa e à escola. Mas uma vez na área, são imediatamente “ presos” pelo chamado dilema do jogo de sorte e azar: “Se nada consegui hoje, certamente amanhã não vou falhar de novo – logo, vale a pena ficar mais um dia!”. Mas também, “se hoje consegui algum dinheiro, logo vale a pena ficar mais um dia…”. O resultado final é que há sempre uma “razão” para não regressar a casa hoje!

Este é o caso do Chico: hoje, com 16 anos de idade, Chico envolveu-se no garimpo ainda criança; e lembra-se que, em consequência disso e do despreparo, logo no início feriu-se gravemente num dos pés, com utensílios contundentes, o que o levou a uma semana de internamento no centro de saúde local, no distrito de Sussundenga. Ao SEKELEKANI Chico prometeu regressar à escola no próximo ano, que abandonou quando frequentava a nona classe.

De acordo com uma pesquisa realizada em 2012 pelo Centro Terra Viva (CTV) a província de Manica possui o maior número de garimpeiros, estimado em 12 mil operadores, correspondentes a 8% do total nacional registado nesta área. Os distritos de Sussundenga, Manica, Macossa, Manica e Barué são aqueles em que mais se verifica a presença de garimpeiros. E este facto é facilmente confirmado pela qualidade da água dos rios: completamente avermelhada, devido a lavagem de ouro com mercúrio Já a nível mundial, e de acordo com um relatório da ONG internacional “Save the Children”, de 2017, calcula-se que 168 milhões de crianças estejam envolvidas no trabalho infantil. Deste total, 85 milhões realizam trabalho perigoso, categoria em que cabe a mineração artesanal.

Por seu lado, Mateus e Samuel são dois adolescentes com idades entre os 15 e os 17 anos de idade. Também abandonaram a escola, atraídos pela ideia de ganhar dinheiro através de extração artesanal de ouro, no distrito de Sussundega.

Mateus abandonou os bancos da escola quando frequentava a sétima classe. Como a maioria dos membros da sua comunidade, os pais de Mateus vivem de agricultura de subsistência. Ele diz que decidiu abandonar a escola por decisão própria; que ninguém o obrigou; mas nem tão pouco os pais o impediram.

O abandono escolar começa aos 10 anos, quando os adolescentes atingem o terceiro ano de escolaridade

Por seu lado, apanhado pela armadilha do jogo, Samuel Micas diz como, e por que decidiu abandonar a escola: “Há dias em que consigo obter até 450 Meticais. No início continuava na escola. Mas vi logo que nos dias que ia à escola eu perdia esse dinheiro. Assim abandonei”.

Os pais, absortos na luta pela subsistência, e sem recursos para responder às necessidades cada vez crescentes destes menores, deixam-nos seguir o seu “caminho”, quantas vezes com a cúmplice esperança de que, com o garimpo, estes até possam dar alguma ajuda à família… E assim se perpetua o ciclo da pobreza.

As consequências imediatas desta “lógica” são evidentes: de acordo com Luís Julião, Diretor-adjunto da Escola Primaria de Bandire, em Sussundenga, o abandono escolar inicia com as crianças entre os 10 e 14 anos: quando chegam à quinta classe de escolaridade começam a faltar com muita frequência, do tipo “dia-sim; dia-não”. E acrescenta: “As desistências começam na terceira classe, quando os adolescentes completam entre 10 e 12 anos. Assim, só em 2016 a escola perdeu 43 alunos, das terceiras, quarta e quinta classes”.

Ora, sabendo-se que é nas mesmas idades e classes em que grande parte das meninas são vítimas de casamentos prematuros, obtém-se um cenário de quase vazio nas escolas, no nível secundário.

A cadeia infantil do garimpo

A exploração artesanal do ouro obedece a uma longa cadeia, desde a sua extração do solo até à sua venda a intermediários locais. Assim, quando a pedra é extraída da montanha, ela é moída em pilões; peneira-se a seguir o pó dai resultante; o qual é lavado, para da lama se separar o ouro, com ajuda de mercúrio. Por outro lado ainda, sabe-se que a actividade de garimpo implica que os seus operadores abandonem as suas casas e se fixem no local da extração do minério. Em Manica, estes locais levam a designação, algo sugestiva, de “Colômbias”. Em redor das “Colômbias” florescem pequenos negócios informais, de venda de refrigerantes, refeições e bebidas alcoólicas: nesta longa cadeia podem ser encontradas  crianças com idades ate 10 anos.

A Maria, oito anos, fica em casa a tomar conta dos irmãos mais novos

Enquanto os pais estão nas “colombias”, as crianças mais velhas ficam em casa, tomando conta dos irmãos mais novos.Estes são os casos de Maria, 8 anos, e de Jerónimo, que aparenta 10 anos. Enquanto a Maria cuida dos irmãos em casa, na ausência prolongada dos pais, o Jerónimo desenvolve actividades de pequeno comercio em redor de uma mina, vendendo refrigerantes e outros produtos. Devido a estas suas ocupações, estas crianças estão, também, impedidos de estudar.

 

Enquanto os pais estão nas “colombias”, as crianças mais velhas ficam em casa, tomando conta dos irmãos mais novos.Estes são os casos de Maria, 8 anos, e de Jerónimo, que aparenta 10 anos. Enquanto a Maria cuida dos irmãos em casa, na ausência prolongada dos pais, o Jerónimo desenvolve actividades de pequeno comercio em redor de uma mina, vendendo refrigerantes e outros produtos. Devido a estas suas ocupações, estas crianças estão, também, impedidos de estudar.

Adolescentes moendo pedra numa mina de Sussundenga

Mas há casos em que o garimpo infantil culmina atraindo graves vícios, como o consumo de bebidas alcoólicas. Na sua pesquisa, SEKELEKANI ouviu estórias destas praticas entre adolescentes garimpeiros no distrito de Barué. Segundo fontes locais, na mina situada na localidade de Nhamapassa, da qual se extraem turmalinas de cor verde, podiam-se encontrar crianças circulando com quantias de dinheiro relativamente altas (diz-se que por vezes podiam ganhar num dia entre 50 a 100 mil meticais). Desorientadas, elas usavam tal dinheiro ora em alcoolismo ora para a aquisição de aparelhagens sonoras de alta qualidade, para diversão.

Medidas de prevenção

Na província de Manica foi criada uma Comissão Provincial para a Proteção dos Recursos Naturais e Meio Ambiente. Uma das áreas de foco desta estrutura multissectorial é localizar crianças envolvidas em actividades de garimpo e procurar leva-los de volta à escola. De acordo com explicações do Director Provincial de Recursos Minerais e Energia, Joao de Lima, esta actividade inclui a sensibilização de pais e encarregados de educação, no sentido de abandonarem a crença de que o envolvimento de seus filhos menores no garimpo pode ajuda-los a sair da pobreza.

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