Democracia e Governação

A sobrevivência das liberdades civis face à crise da democracia em Moçambique

Introdução

Nos últimos tempos, diferentes sectores da sociedade civil – formalmente organizada ou não – têm estado a emitir sinais de alarme, temendo que o governo esteja a preparar-se para alargar as áreas de limitação ao exercício de direitos e liberdades dos cidadãos consagrados na Constituição da República e em leis ordinárias. Teme que sejam os passos decisivos para um regime autoritário.

O alarme, acionado desde há alguns anos, subiu de tom nos últimos meses, quando o governo apareceu em público, apresentando um novo instrumento para a regulação das actividades de Organizações Sem Fins Lucrativos (OSL), até aí totalmente desconhecido por todos. Apenas alguns oficiais superiores de dois Ministérios do Governo o conheciam.

Trata-se de um instrumento que, parecendo ser simultaneamente lei e regulamento de uma multiplicidade de matérias, tem, entretanto, uma característica muito peculiar: primeiro ele pretende regular, de um só golpe, OSL nacionais e estrangeiras e, em segundo lugar, ele reduz  qualquer OSL  a mero departamento de  qualquer ministério do governo,  o qual estabelece, de forma autoritária,  o conteúdo dos seus estatutos, a forma de funcionamento dos respectivos órgãos sociais, os direitos  dos membros,  o limite de mandatos ,até a forma de prestação de contas.  Tudo em nome de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento ao terrorismo.

Na senda desse alarme geral, a Ordem dos Advogados de Mocambique  decidiu criar uma oportunidade de reflexão sobre as condições de exercício de liberdades civis em Mocambique,  como barómetro para avaliar a viabilidade do Estado de Direito, proclamado pela Constituição da Republica. Isto sucedeu durante a terceira conferencia nacional dos advogados, que decorreu nos dias 24 e 25 de Novembro, na cidade de Nampula.

Os organizadores deste importante evento sugeriram-nos abordar o assunto, sob o título, muito sugestivo:  “a sobrevivência  das liberdades  de expressão, de associação e de manifestação face à crise  da democracia: uma reflexão  sobre  os desafios da advocacia na defesa do Estado de Direito”. 

Ora, este titulo anuncia, de uma vez,  três factos que devem imediatamente atrair a nossa máxima atenção , a saber: (i) que a democracia está em crise; (2)  que liberdades fundamentais dos cidadãos  estão seriamente ameaçadas, e, finalmente, (3) que em face de tal quadro,  torna-se necessário reflectir sobre estratégias de defesa do Estado de Direito.

O tema levanta-se no contexto de um período marcado por intensos debates públicos, suscitados por um ambiente geral onde o exercício destes direitos  de cidadania  tem sido posto em causa, quer  por acção de forças da lei e ordem, quer por meio de iniciativas legislativas de cariz marcadamente securitária.

Com efeito, tem sido comum, nos últimos anos, unidades da Polícia de segurança pública bloquearem pacíficas manifestações de cidadãos na rua, sem evocar qualquer disposição legal a fundamentar tais actos.

Entretanto, se estas acções de intervenção física de agentes do Estado, têm sido mais sistematicamente constatadas,  porque elas ocorrem com frequência na cidade de Maputo, onde se acham concentrados os principais meios de comunicação social, há já décadas que o exercício de direitos fundamentais nos distritos anda bloqueado, como resultado de pesado controlo social, exercido pelas autoridades locais – políticas ou administrativas.

A par do estrito controlo das liberdades de manifestação e de reunião, passam já  algumas décadas que o cerco ao exercício das liberdades de expressão de opinião e de imprensa tem vindo a aumentar, bastando recordar o período da emergência de um esquema de controlo  da livre expressão de opinião nos “ media”, corporizada pelo projecto que ficou popularmente conhecido por “G-40”.

No seu conjunto, estes práticas  revelam os contornos de um fenómeno político, que alguns politólogos denominam de “democracia bloqueada”,  em face de sérios riscos políticos e socias, que os poderes estabelecidos vinham procurando gerir, até recentemente, sem lançar mão das leis aprovadas na década de 1990, regulamentando o exercido de direitos e liberdades fundamentais,  próprias de um Estado de Direito Democrático.

Contudo, a partir de 2020 a estratégia de gestão de risco político subiu qualitativamente, já lançando mão de leis que regulam o exercício desses direitos e liberdades civis, nomeadamente a liberdade associativa e a liberdade de imprensa.

É imensoo impacto desta categoria de liberdades fundamentais, para a sobrevivência da democracia, já que no seu conjunto elas viabilizam o exercício  de outros direitos,  incluindo direitos da primeira geração, como os direitos à participação dos cidadãos  na vida pública, através da livre expressão de opinião , além do direito à reunião, associado ao da livre manifestação pública.

Se é verdade que as revisões  das leis da imprensa  e das associações[1] tinham sido iniciadas ainda há mais de 15 anos, por volta de 2006, para as harmonizar com a Constituição da República revista em  2004 – o que só as iria robustecer – já a retomada deste exercício a partir de 2020 afastou-as totalmente dessa trajetória,  chegando mesmo a coloca-las  em choque com a própria Constituição da República.

  1. Crises governativas e estratégias de gestão de risco de instabilidade

Quais podem ser as causas, pelo menos imediatas, desta tendência de regressão democrática? E Quais podem ser as suas consequências?

Hoje evoca-se a prevenção e combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento ao terrorismo como razões para a aprovação de leis que atentam, de forma clamorosa, contra direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, assim consagrados na Constituição.

Contudo, há já perto de cinco anos que diferentes índices de avaliação de governação democrática vêm alertando para um contínuo declínio da qualidade da democracia moçambicana, com tendências para o autoritarismo. Vão nesse sentido os relatórios mais recentes (2021) de instituições internacionais, como o “The Economist Intelligence” e a Fundação Mo Ibrahim, que publicam periodicamente “Índice de Democracia” ou de Governação Democrática .  

A posição de Moçambique no Índice de Democracia elaborado anualmente pelo The Economist deteriorou-se em 2018, tendo passado de “regime hibrido” em 2016 para o de “regime autoritário”, com uma pontuação global de 3.85,  contra os 4.02 pontos conseguidos na avaliação anterior. A pontuação máxima é de 10 pontos.

 Nesse sentido, a classificação de Mocambique foi  muito baixa em categorias criticas como “Participação política” (5.00 pontos) e “cultura política” (5.00) , enquanto a pior pontuação foi atribuída ao “funcionamento do Governo” (2.14) e às “liberdades civis” (2.53).

Por regra, tendências para a supressão de direitos e liberdades fundamentais emergem quando vozes críticas na sociedade sobem de tom, apontando falhas na governação  ou insucessos na implementação de programas do governo, em particular quando tais falhas têm impacto na segurança dos cidadãos e na satisfação de necessidades básicas das populações.  Ou seja: quando crescem sinais de impopularidade do governo.

Na memória colectiva dos moçambicanos estão ainda vivos os períodos de grande impopularidade da governação do Presidente Armando Emílio Guebuza, no seu segundo mandato, a partir de 2012 até ao fim, em 2014. Tal impopularidade, que lhe atraiu críticas provenientes dos diferentes sectores da sociedade, tinha como principais motivos o insucesso do seu programa de combate à pobreza absoluta;  o retorno da guerra, após 20 anos de paz, e a intensificação da criminalidade, em particular de raptos associados a resgates milionários. 

É neste  período que se intensificam estratégias de controlo da livre expressão de opinião política na esfera pública, tendo como factos exemplificativos a monopolização dos espaços de comentários na “media”, incluindo a substituição de directores editoriais de diferentes órgãos de comunicação social, e o mediático julgamento do economista Carlos Nuno Castel-Branco, acusado de pôr em causa a segurança do Estado, por ter expresso duras criticas à governação do Presidente Armando Emílio Guebuza.

Portanto o governo sentia uma forte necessidade de pôr em marcha estratégias de controlo de risco social e político, bloqueando algumas veias  de circulação do sangue democrático.

 Ora, o contexto nacional dos últimos três anos tem sido de uma paz social trémula e mitigada, com crescentes sinais de insatisfação popular devido ao contínuo aumento do custo de vida.

Se é verdade que os cidadãos conhecem e reconhecem algumas das principais causas da sua pobreza, como o terrorismo no Norte, os violentos desastres naturais ou a COVID-19,  é também verdade que eles notam um crescente fosso entre a maioria esfomeada e uma minoria com sinais exteriores ostentando  riqueza. Portanto, uma forte perceção de injustiça na redistribuição da renda nacional, que o governo deveria procurar formas de mitigar. Os protestos generalizados contra a célebre Tabela Salarial Única (TSU) não são senão uma oportunidade encontrada pelos cidadãos para protestarem contra um problema antigo: a injustiça social!

E quais têm sido, historicamente, os principais anunciantes ou denunciantes da crise? Naturalmente as organizações da sociedade civil e a comunicação social. Nunca foram os partidos políticos da oposição, incluindo os com assento na Assembleia da República.

  • O paulatino fechamento do espaço cívico

Nos últimos três anos, ocorreram ou estão em curso processos de revisão de instrumentos de regulação de áreas criticas, com grande impacto na estabilidade social e do regime democrático. Referimo-nos aos processos de revisão da Política Nacional de Terras e das leis de imprensa e das associações.

Os processos de revisão de qualquer destes instrumentos jamais decorreram sem controvérsias e suspeitas. Porque desde o inicio faltou-lhes fundamentação clara, inequívoca e consensual, esclarecendo as razões de fundo desses exercícios e, consequentemente,  a natureza esperada dos novos instrumentos. Sobretudo fundamentações que encontrem respaldo constitucional.

Em segundo lugar, os processos de revisão foram conduzidos com enorme défice de consulta pública, em que os órgãos  de coordenação simulavam procurar contribuições  da sociedade civil, porém impondo-lhes  sistematicamente prazos ridículos para reagir, o que sempre criou  legitimas suspeitas de agendas ocultas. Foram longas e sinuosas as batalhas levadas a cabo por organizações da sociedade civil, para travar um processo apressado e pouco transparente de revisão da Politica Nacional de Terras!

Assim, de uma forma geral, os resultados das revisões destes três instrumentos indicam evidentes tendências de bloqueio ou sérias limitações aos  princípios-chave de uma democracia aberta e pluralista: os princípios da consulta  alargada e genuína e da  monitoria e fiscalização da actividade dos poderes públicos.

Assim é que toda a indústria mediática nacional, incluindo jornalistas, suas organizações socioprofissionais e  a associação de empresas jornalísticas, foram colhidos de surpresa, por uma proposta de revisão da Lei de Imprensa, em que é criado um órgão regulador do sector, subordinado ao governo. Portanto, um órgão de controlo politico da comunicação social, num Estado de direito democrático,  cuja Constituição consagra a liberdade de expressão e de imprensa, a independência dos jornalistas perante o governo  e a proibição expressa da censura[2].

Intensos esforços de diálogo com o governo e com a Assembleia da República, desenvolvidos por organizações da especialidade, nomeadamente o MISA Moçambique, com recomendações secundadas pela União Europeia, não foram suficientes para demover o governo desta medida, que constitui uma clara afronta à Constituição da República. E então pergunta-se: o que o governo pretende fazer com um regulador político do exercício  de direitos fundamentais – que impõem, exactamente,  o afastamento do Estado, em homenagem ao principio inarredável  de dignidade humana?

  • Organizações sem fins lucrativos ou associações para delinquir?

Com  ainda maior intensidade, na senda  do cerceamento de direitos, liberdades e garantias, é a proposta da lei das Organizações Sem Fins Lucrativos,(OSL) – que vai substituir a actual lei das associações.

No seu espírito e letra, esta proposta reduz as associações  de cidadãos a meros departamentos de ministérios do governo,  o qual estabelece, de forma detalhada,  o conteúdo dos estatutos, a forma de funcionamento dos órgãos sociais, os direitos  dos membros,  o limite de mandatos ,até a forma de prestação de contas.

Um dos elementos mais inquietantes desta proposta traduz uma  flagrante violação do principio de separação e interdependência dos poderes de órgãos de soberania do Estado, onde o governo aparece usurpando competências próprias dos poderes legislativo e judicial. Nesse sentido, a proposta de lei:

  • Atribui ao governo poderes absolutos  para criar, controlar, fiscalizar, suspender ou determinar a extinção de qualquer OSL, como resulta claramente da leitura dos  artigos 33, 36, 37, 38, 56, 57e 68 ;
  • Retira ao poder judicial qualquer papel no processo de criação, extinção ou contestação de recusa de registo,  ignorando  todos  os artigos sobre estas matérias, constantes da lei em vigor; 
  • Elimina, em consequência, a possibilidade de recurso a recusas de reconhecimento de uma associação,  retirando da cena o poder judicial.

À luz da proposta, a autonomia de vontade dos membros e os poderes próprios das Assembleias Gerais são  totalmente esvaziados, como resulta do conteúdo  do numero 2 do artigo 21, que determina:

“Os membros dos órgãos sociais não podem abster-se de votar nas deliberações  tomadas em reuniões em que estejam presentes e são responsáveis pelos prejuízos  delas decorrentes , salvo se houverem manifestado a sua discordância”.  Ora, para além da retirada absoluta da autonomia própria destas organizações,  a proposta de lei das OSL introduz elementos de fácil criminalização  de titulares de órgãos sociais, desvirtuando assim por completo o espirito de cooperação a eles subjacente.

  • Da evocação manipuladora de “Segurança do Estado” e de “ Interesse do Estado”

Não menos preocupante é a activação e robustecimento de narrativas evocando “Segurança do Estado” ou “Interesse do Estado”. Num Estado com  instituições frágeis, como em Moçambique, estes são  conceitos susceptíveis a manipulações de toda ordem, nomeadamente em contextos de conflito ou de instabilidade social, exactamente para o cerceamento ao exercício de direitos e liberdades de cidadania. E na evocação a estes factores que se afirma a proposta da lei da OSL.

Na verdade, no seu conjunto, o articulado desta proposta encara as  OSL como grupos de indivíduos de condutas mais ou menos duvidosas, suspeitos de estarem permanentemente a preparar-se para delinquir…senão mesmo, para pôr em causa a segurança do Estado.

É assim que, por exemplo, ao abrigo do número dois do artigo 70, o governo tem competência para “investigar e recolher informação sobre Organizações Sem Fins Lucrativos” ,  e estas são obrigadas dar “acesso pleno e imediato” a informação relativa à  sua administração e gestão.

Aliás, determina a proposta  que as associações devem provar  a prossecução do seu objecto, o seu bom e regular funcionamento, apresentando ao governo, no primeiro trimestre de cada ano, o relatório de suas actividades, incluindo a contabilização dos fundos e das actividades realizadas.

Aí, se nas suas visitas de fiscalização ou na interpretação dos relatórios das associações, o governo entender que estas   estão a agir “no sentido de prejudicar o interesse (…) do Estado e de terceiros”, estas associações serão responsabilizadas (civil e criminalmente), como consta do artigo 18. Ora, aí está o  espectro de perseguição e intimidação destas organizações e dos seus associados, com recurso a conceitos tão elásticos quanto manipuláveis, como o de “interesses do Estado”.

Poderíamos alongar-nos no arrolamento de elementos desta proposta de lei, que no seu conjunto retiram qualquer autonomia as associações sem fins lucrativos,  sujeitando-as a grosseiras intromissões no seu funcionamento, como se sobre elas pesasse uma espécie de permanente e insanável  “presunção de delinquência”.

Neste sentido,  veja-se o conteúdo de uma disposição, que exprime suspeita sobre a idoneidade das fontes de financiamento das associações sem fins lucrativos:

”A fonte ou fontes de financiamento das associações ou organizações sociais, para a prossecução dos seus programas ou projectos, pode provir de uma pessoa singular ou colectiva, desde que  ela não esteja envolvida, sob investigação, ou haja sido condenada no território nacional ou no país de origem, pela prática de crimes ou acções subjacentes”. O não cumprimento desta disposição  constitui fundamento para a suspensão do exercício da actividade da associação ou organização social, sem prejuízo da responsabilidade civil ou criminal nos termos da legislação aplicável.

Por outras palavras, a lei impõe as associações que façam investigação sobre o perfil (criminal) dos seus doadores…e ela determina a rejeição de doações de uma pessoa que haja sido condenada  pela pratica de crimes – sejam eles quais forem e independentemente de ter já cumprido a correspondente pena e ter sido restituído à liberdade.

  • Desafios de advocacia na defesa do Estado de Direito

Como já referido, Mocambique é um Estado de direito democrático, baseado no pluralismo politico e no respeito pelos direitos e liberdades fundamentais.

Portanto, o conceito de Estado de direito democrático transporta consigo o principio da garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos,  que são indivíduos livres, e não súbditos, a quem apenas impõe-se  obediência irrestrita ao soberano.

Entre os princípios e valores garantisticos subjacentes ao conceito de Estado de direito democrático podem destacar-se os seguintes:

  • O constitucionalismo, ou a teoria que ergue o principio de governo limitado, como condição  indispensável à garantia dos direitos dos cidadãos[3];
  • Os direitos fundamentais, que estabelecem limites à intervenção do Estado na vida do individuo, reconhecendo-o como pessoa, como cidadão, autonomamente responsável, na definição e prossecução de interesses próprios e dentro da sua comunidade,
  • A dignidade da pessoa humana, principio fundacional do constitucionalismo moderno, que reconhece ao cidadão o direito à vida e à autonomia espiritual, como um membro normal da sociedade e plenamente consciente dos seus direitos e deveres; e livre de agressões ou de intromissões  abusivas do Estado.

Ora, à luz destes princípios e valores, um escrutínio à proposta da lei das OSL,  à luz da Constituição da República e da ordem axiológica que ela proclama,  resulta que o mesmo documento viola princípios  constitucionais tão críticos como os seguintes[4]:

  • O principio da limitação do poder do Estado pelos direitos  e liberdades dos cidadãos; coibindo o aparelho do Estado da prática  de abusos;
  • O principio segundo o qual a limitação do exercício de direitos fundamentais só pode ter como único fundamento a própria  Constituição da República;
  • O principio da regulação do exercício de direitos fundamentais através de lei em sentido formal, isto é, como  competência exclusiva da Assembleia da República;
  • O principio da inequívoca separação dos poderes do Estado,  nomeadamente para garantir aos cidadãos o recurso aos tribunais para impugnar decisões do governo;
  • O principio da definição taxativa  (sem ambiguidades) de restrições ou limitações ao exercício de direitos e liberdades fundamentais, portanto sem espaço para interpretações subjectivas ou abusivas.
  • O principio segundo o qual há limites na limitação  ou restrição de direitos e liberdades fundamentais  dos cidadãos.

A violação destes princípios, que em  nossa opinião é clamorosa na proposta da lei das OSL, , sendo ainda notória na proposta de revisão da lei da imprensa,  conduz-nos necessariamente à consideração de sérias e intoleráveis  inconstitucionalidades, que atacam estes instrumentos como um vírus ameaçando gravemente a sobrevivência do Estado de direito democrático.

Posto isto, se mais espaço não restar para consensos com o governo,  a Constituição e uma série de instrumentos internacionais de direitos humanos colocam à disposição dos cidadãos   diferentes formas de litigação, incluindo a chamada litigação estratégica, que consiste em explorar todas as vias legais para antecipar a aprovação de tais instrumentos pela Assembleia da República.  Referimo-nos por exemplo à solicitação de verificação preventiva de constitucionalidade junto do Conselho Constitucional, incluindo por via do Provedor de Justiça ou o recurso a organismos regionais ou continentais, tais como a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.

Já aprovadas, sem a sua devida conformação com a Lei Fundamental da Nação, além do recurso ao Conselho Constitucional, fica sobre os ombros dos operadores de justiça, incluindo o advogado, o dever  de, na apreciação de processos judiciais em que cidadãos ou suas  associações sejam  acusados de as violar,  lançar mãos, exactamente, dos princípios acima elencados, todos reconduzindo ao principio do constitucionalismo,  respeitador dos direitos, liberdades e garantias, em defesa da dignidade da pessoa humana,  principio em que assenta o Estado de direito democrático moçambicano.

Em resumo: sejam quais forem as razões para a introdução de instrumentos de combate a perigos gravíssimos como o branqueamento de capitais ou o financiamento ao terrorismo, tal exercício deve, inarredávelmente, conformar-se com a ordem axiológica proclamada pela Constituição da República.

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Comunicação apresentada na Terceira Conferência Nacional dos Advogados, realizada nos dias 24 e 25 de Novembro, na cidade de Nampula


[1] Leis n  nº18/91,  de 10 de Agosto, e nº8/91, de 10 de Julho de 1991, respectivamente.

[2] Cfr. Artigos 48 e 50 da Constituição da Republica

[3] Por todos:  Canotilho, JJ Gomes: Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5ª  Almedina, 1977.

[4] Ibdem.

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