Desenvolvimento Comunitário

Mulheres de Cassoca: Onde evocaremos nossos espíritos?

Embondeiro ou baobá, a árvore dos espíritos

Por causa da guerra, na década de 1980, a comunidade de Cassoca, no distrito de Marara, Tete, abandonou as suas terras, e foi refugiar-se em Chirodzi, aonde passou fome e outras vicissitudes próprias de refugio em terras estranhas. Com o fim da guerra ela regressou às suas terras férteis, aonde retomou as suas vidas, já sem fome. Agora, de novo, ela deve abandonar as suas terras, concessionadas a uma mineradora indiana, que explora carvão mineral. Estão a ser reassentadas numa localidade denominada Nhamatua. Lá a terra é rochosa. Não receberam machambas de substituição: de que se vão alimentar? Ninguém sabe!

Quebra de comunicação com os antepassados

As mulheres de Cassoca estão efectivamente apreensivas, relativamente ao futuro das suas famílias, na zona de reassentamento. Elas reconhecem que as novas habitações que a empresa indiana lhes construiu são adequadas. Mas, muito para além de casas, a vida contém outros valores, tão ou mais importantes que uma casa de cimento:

“Não vamos poder levar connosco o mulambe (embondeiro ou baobá) nem o tumbwe (outra árvore silvestre de grande porte) para continuarmos a evocar os nossos antepassados em cerimónias tradicionais. Lá onde vamos, no reassentamento, também não há espaço para construirmos a “caimba” (casa dos vovós). Mas é importante informarmos aos nossos ancestrais que fomos expulsos da terra nativa e vamos para outro lugar, com muitas incertezas”. Assim se expressam as mulheres da comunidade de Cassoca, Distrito de Marara, Província de Tete, ora em processo de transferência para Nhamatua, aldeia de reassentamento.

São cerca de 289 famílias nativas de Cassoca, cujos antepassados viveram por cima dessa riqueza, o carvão mineral, durante longos anos.

Com a chegada, em 2008, do Grupo Jindal Africa, de capitais indianos, confirmou-se a existência de minerais que justificaram o início de sua exploração em 2012.

SEKELEKANI visitou a comunidade de Cassoca bem como Nhamatua, local para onde estas famílias são transferidas.

Por estas alturas, do fim da colheita de milho e mapira, as mulheres concentram-se em grupos, numa determinada casa, celebrando o fim desta época e transição para uma nova época agrícola. Aí preparem e consomem o phombe, uma bebida tradicional preparada na base de cereais, nomeadamente de farelo de milho fermentado, água açúcar.

Mulheres consumindo Phombe

Nestas alturas a terra está seca e a época chuvosa só iniciará no último trimestre do ano. Porém, desta feita, a paragem dos trabalhos da machamba vai ser definitiva, pois as mulheres não mais voltarão a produzir naquelas terras. À saída de Cassoca a população foi instruída para colher todas as culturas das machambas e não voltar a trabalhar a terra para a próxima época.

Assim, até finais do presente ano, todas as famílias deverão ter abandonado as terras de Cassoca, deixando-as livres para a extracção do carvão mineral. Foi neste contexto que SEKELEKANI colheu os pensamentos e sentimentos de algumas mulheres.

Reassentados sem terra arável

Uma vez que as famílias de Cassoca estão sendo retiradas das suas terras para o local de reassentamento, sem antes lhes serem atribuídas machambas de substituição, o cenário de fome parece inevitável, muito em breve. A maior dificuldade associa-se ao facto de Marara ser um distrito localizado em zona montanhosa.

Khesserina Mulinganiza

“Este novo lugar é definitivo; não temos como encontrar outro para viver . Na altura da guerra fugimos de Cassoca para Chirodzi. Quando a guerra acabou voltamos às nossas terras de origem e retomamos a vida, normalmente. Agora não temos como regressar a Cassoca porque a empresa Jindal já levou as nossa terras”, afirma Khesserina Mulinganiza.

Por seu lado, Natália Paulino, que aguarda a transferência da sua família para a nova casa no bairro de reassentamento , mostra-se com receio sobre o futuro, e diz que não ter a certeza de que vai deixar as suas terras de Cassoca, pois estas são férteis e produzem muita comida, contrariamente às da zona de reassentamento.

A maioria das mulheres locais comungam deste sentimento. O reassentamento vai ocorrer numa área rochosa que, por isso mesmo, não permite trabalhar a terra para fazer machambas. E, “estranhamente”, o governo não garantiu – como lhe compete! – a atribuição de machambas de substituição a estas famílias!

Febe Tiago e Khesserina Mulinganiza, mães de Cassoca, dizem não ter qualquer contestação relativamente ao tipo de casas construídas. Consideram-nas bonitas e grandes. Até porque a sua transferência de Cassoca vai lhes permitir “descansar” de inalar poeira da extracção de carvão a céu aberto, a que viviam sujeitos desde 2012! Contudo, inquieta-as o facto de serem transferidas para uma zona rochosa, sem terra arável para a prática da agricultura. “Estou habituada a acordar de manhã e ir à machamba, aonde me ocupo o dia todo com trabalhos de agricultura e pastorícia. “Agora, acordar , ficar sem nada a fazer está a ser muito difícil”, reclama Febe.

Não existe terra para machambas?

Casas dos Reassentados, Nhamatua

Segundo informações recolhidas no local, a empresa Jindal Africa terá indemnizado cada família a ser reassentada, por perda do direito de ocupação de terra, com o valor de 119.250,00 Mts (cento e dezanove mil, duzentos e cinquenta Meticais) por hectar. Entretanto, deste valor fez-se, deduziu-se um desconto de 40% (47.700,00 Mts por hectar), alegadamente para custear a abertura de novas machambas. O valor da indemnização a pagar pelas machambas foi repartido e será pago em prestações durante dois anos, o que corresponde a 2.981,25 Mts mensais. Estranhamente , diz-se que o governo e a empresa não conseguiram até agora, identificar espaço para tais novas machambas.

“Calhei numa casa em que o terreno tem declive. Justamente neste local é onde dá para construir o curral para os bois, mas estou com receio de erosão quando a chuva vier”, afirma Khesserina, acrescentando que a empresa Jindal devia dar meios de subsistência porque sem machambas, a população não sabe como irá sobreviver.

Filhos adultos excluídos do reassentamento

Clara Saiene

Clara Saiene diz que sua preocupação é em relação aos filhos: quando em 2012 a Jhindal realizou o censo da sócio-económico de Cassoca, os seus filhos eram ainda adolescentes dependentes dos pais. Passados agora sete anos desde então, alguns desses adolescentes cresceram e casaram, tendo constituído suas próprias famílias e vivendo em casas independentes. Porém estas novas famílias não estão integradas no plano de reassentamento na aldeia de Nhamatua.

“ A empresa Jindal apenas transferiu a mim porque fui registada em 2012 como dona de casa que seria transferida para o reassetamento . Todos os jovens que constituíram famílias, depois de 2012, não estão contemplados no reassentamento. Isso é uma grande preocupação”, afirma Clara Saiene.

Entretanto, as mulheres em Cassoca afirmam não terem conhecimento sobre quaisquer benefícios a que têm direito, enquanto parte de uma comunidade afectada por um projecto extractivo, a qual deve, nos termos da lei, beneficiar, de uma percentagem equivalente a 2.75% do imposto anual de produção.

Esta é, aliás, uma das grandes lacunas de informação junto da maioria das comunidades moçambicanas vivendo em áreas onde existam empreendimentos extractivos.

Contudo, o principal risco e quase iminente, sobre a comunidade de Cassoca, ora em reassentamento em Namatua, é a fome, pois não lhe garantida o seu principal recurso de subsistência – a terra!

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